(Foto: Kauê Terena)

Entre os dias 05 e 09 de agosto de 2024, a professora Walnice Vilalva, em parceria com o Dr. Carlos Edinei e com o  Dr. Leandro Polastrini, pela Universidade do Estado de Mato Grosso,   no PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM ENSINO EM CONTEXTO INDÍGENA INTERCULTURAL, o Campus de Barra do Bugres, ministrou a  disciplina abordando a relação entre as Artes no Brasil, tomando como referência  os contextos, as representações artísticas e a projeção autoral dos povos originários.  Com público que reuniu mais de vinte etnias da Amazônia Legal, o passeio pela arte, o debate e reflexão sobre Arte e Resistência nos contextos dos povos originários, permitiu-nos conhecer um pouco a música, a literatura e a fotografia; apresentando um outro Brasil, soterrado historicamente, e com idioma diverso da língua oficial portuguesa. O que diz e trata a arte indígena?  Apresentamos um breve percurso, um roteiro de leitura que traz a radical mudança de perspectiva, mudança quanto ao lugar de enunciação, trazendo a voz indígena, que se constitui pela defesa e pela proteção da Amazônia Legal e dos povos originários como seus absolutos guardiões.

O poder do protagonismo indígena é incontestável, não apenas pela beleza com que os povos originários são representados, em suas etnias, mas pela poderosa força da cultura aliada à suprema Natureza;  constatada, por exemplo,  na estrutura musical, entre ritmo, som e letra, uma estrutura que harmoniza os rituais entoados pela voz. É pela música que nasce a reivindicação pela língua originária como movimento e resistência, entre homens e mulheres indígenas, com grande força de expressão no Acre.

 os caminhos da arte 02

https://www.youtube.com/watch?v=DBIVIXxbwjE&list=RD7HzO-IiJZYw&index=18

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https://www.youtube.com/watch?v=7HzO-IiJZYw

Com o  link acima,  apresentamos Ninini Naya Naya Ne, com  Mapu Huni Kuin.  Mapu é líder da etnia Huni Kuin ou Kaxinawás que vivem no Alto Vale do Juruá e Purús, no Acre. Entre ritmo e som,  a escolha pela língua indígena que urge para sobreviver. Por esse caminho, a música faz falar o idioma dos nossos ancestrais, o valor da Natureza em seu princípio sagrado como proteção à vida em todas as suas formas. 

A arte indígena revela uma viagem pela ancestralidade, pela força da poesia oral. E o que considero mais expressivo, revela a voz indígena, violentamente silenciada.   É pela música que os povos originários manifestam o desejo em compartilhar, em fazer conhecer-se pela riqueza de sua cultura, um profundo ato humanitário de resistência que acolhe, no exercício da arte, a defesa de seu povo e da Amazônia Legal. E a fotografia? Quais são as potências dos povos originários na fotografia?

Os artistas indígenas priorizam o coletivo, o movimento, selecionando perspectivas da luta no presente, mas com a força projetada na fé por um futuro, representada por seus descendentes. Vejam na fotografia de Takumã Pataxó, a projeção assumida pelo corpo indígena, sob o céu gigante e escuro, não se inibe. A força do braço indígena que carrega seu filho não vacila. As cores e o amarelo  nos corpos,  das duas gerações, parecem indicar completa ausência  de fraqueza. A imagem do indígena, seu protagonismo, na fotografia, captura uma força, uma coragem e uma beleza sem precedentes na representação indígena na arte brasileira. O artista indígena reverência seu povo ao mesmo tempo que conclama sua força.

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(Foto: Tukumã Pataxó)

 

No presente, a garantia de luta por um futuro: pelo filho e pela filha.

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(Foto: Jaciara Borari)

E as mulheres indígenas vão à luta.

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(Foto: Kaiti Topramre Totore Gavião)

A Casa Ninja Amazônia divulga a lista dos dez fotógrafos indígenas que merecemos conhecer: https://midianinja.org/10-fotografos-indigenas-que-voce-precisa-conhecer-e-seguir-no-instagram/

 

E no Cinema? Quais são os filmes que exploram o protagonismo indígena?

A narrativa fílmica tem estabelecido como prioridade a retomada dos conflitos históricos, ao reformular uma memória cultural que apagou a presença e a importância dos povos originários. Nos processos de colonização desenvolvidos pelo governo desde a Marcha para o Oeste, no governo Getúlio Vargas, até a política desenvolvimentista da ditadura militar, sob o emblema de progresso, que promulgou a expulsão dos povos originários de suas terras, para a derrubada da floresta Amazônica, amplamente justificada e defendida para dar início à colonização.

O filme Xingu (2011) narra a perspectiva da marcha para o Centro Oeste, desmontando um sistema de poder, ambição e maldade.  Uma narrativa que traz a majestosa beleza da Amazônia, nos fazendo sucumbir, pelas imagens panorâmicas da floresta, dos rios, da imensidão de terras, se contrastando à fragilidade e ao abandono dos povos originários diante da violência (que parece atenuada no filme) impingida pelos grileiros e posseiros. Para cada árvore que cai, um pedaço da floresta desaparece para garantir um futuro ao Brasil. Qual futuro? E qual Brasil?

Assistir ao filme Xingu, se torna um ato   necessário para consciência sobre as formas de representação do encontro do indígena com o não-indígena e da violenta jornada de destruição da floresta: https://www.youtube.com/watch?v=3hmEGsvAYoE

Três anos antes,  Marco Bechis lança Terra Vermelha,  2008. Antecedendo ao filme Xingu em vários aspectos, o roteiro prima pelo enfrentamento entre indígena e o fazendeiro, nas disputas pela terra no Brasil: do indígena escravizado e expurgado da sua terra, levanta-se o povo indígena que se organiza para luta em defesa de seu território. A posição ideológica do fazendeiro, que no filme aparece como o grande usurpador, é verbalizada como aquele que “planta comida para as pessoas comerem”. Poderosa narrativa e, seguramente, uma das primeiras que assume a violência e a barbárie como projeção inequívoca de uma luta histórica de apropriação das terras dos povos originários. Finda a dinastia do discurso mentiroso que relata o amor interracial, entre bancos e indígenas no Brasil,  conclamado desde o romance de Alencar seja com Peri/Ceci, seja com Iracema/Martim. O filme avança na representação dos povos originários no Brasil, coloca o dedo na ferida de uma guerra sempre ocultada (que é física, mas também simbólica). E com isso,  acerta as contas com o presente e com o passado brasileiro. Todos os personagens indígenas são interpretados por indígenas.

Assistam Terra Vermelha

https://www.youtube.com/watch?v=mQ67w8pUIts

 

Bem mais recente e muito premiado, O Território é uma explosão narrativa. Um soco na cara. O documentário não esconde a violência contra a Amazônia e os povos originários. E documenta e registra a voz e a ação indígenas, trazendo as gravações realizadas pelos próprios indígenas.

3) O Território, 2022. Diretor:  Alex Pritz

https://www.youtube.com/watch?v=wL9wvdbk7A4

 

E na Literatura?

As narrativas partem da afirmativa tão eloquente ainda vigente nos dias de hoje: Nunca vi índio por estas bandas.

 os caminhos da arte 07

São três os romances selecionados que perfilam a imagem do indígena, na representação da força da terra em Mato Grosso.

O romance como um rio da memória imprime uma busca lenta e histórica que enfrentará vários percalços, desvios, subtração, numa procura solitária pela face dos povos originários. Esta breve seleção de romances, que prioriza as publicações em Mato Grosso, cintila este curso das águas de representação do corpo e da palavra indígena. Em Era um poaieiro, de Alfredo Marien, publicado em 1944,  a imagem indígena faz-se apenas um vulto inconcebível e desforme, na escuridão da noite sertaneja, na travessia dos poaieiros, entre Jangada, Barra do Bugres, Rosário Oeste.

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Um outro romance aparece nos anos de 1960.

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Manuscrito  Holandês, Manoel Cavalcante Proença.

Posterior a Era um poaieiro, após duas décadas, Manuscrito Holandês é publicado em 1969, pela Civilização Brasileira, imprimindo o caráter mítico para a narrativa que acomoda uma imagem híbrida do indígena,  no seu processo migratório, entre diáspora e abandono ( ou expulsão?) da aldeia e a busca pela cidade.

Após 20 anos o novo século: XXI

 os caminhos da arte 10

E Sinais de Chegadas, de Odair  Pinto de Oliveira, publicado em 2022. Finalmente o romance  assume a narrativa tão esperada da perspectiva indígena. Alinhado à memória e à história de Mato Grosso, o narrador indígena conta a história dos Gigantes, os Panarás e a diáspora forçada. É o primeiro romance em Mato Grosso em que autor e narrador são indígenas.  Por este breve roteiro, reconhece-se a consciência de uma disputa enunciativa da história, e a Arte é escolhida como uma fronteira de expressão, de embate e de reinvindicação.  

 

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Foto da turma

 

Referências:

MARIEN,  Alfredo. Era um poaieiro. 1944.
PROENÇA, Manoel Cavalcante. Manuscrito  Holandês, São Paulo: Civilização Brasileira, 1969.
OLIVEIRA, Odair  Pinto de. Sinais de Chegadas. Cuiabá: Carlini Caniato, 2022.

Portais:

https://midianinja.org/10-fotografos-indigenas-que-voce-precisa-conhecer-e-seguir-no-instagram/   acesso em 05/08/2024

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